quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Três milhões de passos

De acordo com uma geringonça instalada no meu telemóvel, e cuja fiabilidade ignoro, dei nos últimos catorze meses algo como três milhões de passos, o que equivalerá a mais de dois mil e quinhentos quilómetros percorridos (a pé, bem entendido). Trata-se de uma distância espantosa, que me permitiria visitar diferentes continentes palmilhando as mais diversas estradas e caminhos do planeta. Poderia, se o tivesse feito, visto gente mais exótica e montanhas mais impressionantes do que aquela que agora me envolvem, ou experimentado temperaturas mais rigorosas, mas dificilmente me impressionariam mais esses homens e essas mulheres, essas colinas, do que me fascinam ou intrigam as vertentes e as pessoas com as quais mantenho o escasso trato comum da vila quase deserta. Se excluir as variantes da aparência, os indivíduos são, no essencial, iguais em toda a parte, generosos e soezes, loucos e sérios, serenos e furiosos, tal como, sob as feições visíveis da paisagem, tudo é apenas matéria e pedra. Já sobre os assuntos do momento não tenho grande coisa a declarar. Na vila quase não tomo conhecimento das circunvoluções do mundo e foi por mero acidente que soube da invasão dos energúmenos ao congresso dos EUA. Espanta-me tanto como a cor verde nas folhas das árvores ou o branco da geada na copa das oliveiras.