Indivíduos provavelmente aclimatados em salas demasiado aquecidas costumam garantir que o frio é, no essencial, um estado de ânimo, dependente da disposição do corpo para percepcionar as variações da temperatura. Tendo, por princípio, a concordar com este género de falácia, movimentando-me para além do necessário a fim de manter as meninges quentes. Faço-o, pelo menos, até ao momento em que, empenhado em cozinhar o almoço, dou com o azeite congelado no fundo da sua garrafa e me vejo obrigado a derreter o dourado líquido sob um jorro de água quase a ferver, de forma a preparar o estrugido que há-de receber a chouriça, o tomate, o grão-de-bico, os coentros e o ovo do meu repasto. Depois sento-me para almoçar e a calidez da refeição descongela-me os principais receptores nervosos, ao ponto de experimentar uma sensação de relativo bem-estar, para o qual concorrem também, e muito provavelmente, os calorosos espíritos do tinto alentejano. O telefone indica a possibilidade de nevões. Depois saio à rua para tomar café e vejo uma família que fuma inopinadamente numa esplanada, indiferente à borrasca gelada, ao vento glaciar e aos efeitos do vórtice deslocado do seu eixo, dando razão aos sobreaquecidos pensadores para os quais o frio quase não passa de uma mania ou uma fraqueza do espírito. Subo à velha muralha exterior da vila e sinto o vento, vejo o céu encastelar-se de tons escuros e, acto contínuo, corro a fechar-me onde o ar condicionado me mantenha quente, pensando, como diz o outro, que o frio é psicológico mas é o caralho. O daqui é concreto e basta. Tenho uma garrafa de azeite que o demonstra cientificamente.