Zeno Cosini não vai conseguir deixar de fumar — esqueçam lá isso. Nem vai deixar de desejar a mulher do próximo, a saúde do próximo ou o seu talento para o comércio. Para trabalhar não serve, pois não sabe "fazer outra coisa senão sonhar". Também não o vão encontrar nos tiquetoques desta vida, nem nos podcasts de (suposto) incentivo à leitura, nas conferências tedx, nos cursos de empreendedorismo ou nas stories dos instagramers dedicados àquilo a que agora se considera literatura, desde logo porque a sua "consciência" é literatura a sério e dá trabalho ler até ao fim sem algo que nos ligue à realidade modorrenta, empática, ou sem os plot-twists que entusiasmam os influencers da treta. A Consciência de Zeno, de Italo Svevo, é, todavia, um livro da mesma nobre família de A Montanha Mágica, de Bartleby, o Escrivão, ou de Oblomov, delicioso de ler e de acompanhar, a despeito do excesso de vírgulas a que acabamos por nos habituar ao fim de algum tempo.
Zeno Cosini é um maravilhoso mandrião, avesso a toda a actividade e procrastinador antes da invenção da própria procrastinação. Um maravilhoso calaceiro, é o que ele é, mas também muito astucioso e até arguto e visionário. A propósito da guerra mundial que então grassava na Europa, reflecte: "Quando os gases venenosos já não bastarem, um homem como todos os outros, no segredo de um quarto deste mundo, inventará um explosivo incomparável, em relação ao qual os explosivos atualmente existentes serão considerados brinquedos inofensivos. E um outro homem, também como todos os outros, roubará esse explosivo e irá até ao centro da Terra para o pôr no sítio onde o seu efeito seja maior. Haverá uma explosão enorme que ninguém ouvirá, e a Terra, restituída à forma de nebulosa, errará nos céus livre de parasitas e de doenças".