quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

O direito a perder-se


Combinando há dias um encontro com um amigo, disse-me ele que teria de se orientar pelo mapa para chegar ao local do prândio, pois, acrescentou, não usa GPS — apesar de ganhar a vida calcorreando estradas e caminhos para encontrar as histórias que depois nos conta. Abdicar, neste desgraçado ano de 2023, do uso da tecnologia de orientação constitui, pareceu-me, todo um programa de vida e não apenas uma opção justificada pela frase "gosto de mapas". Ignorar o GPS é, afinal, uma forma de reivindicar o direito a perdermo-nos e, perdendo-nos, a encontrar o inesperado e o insignificante assombro que às vezes se acha nos becos sem saída, nas estradas sem destino, ao fim de um caminho de macadame. Estar perdido há-de ser um modo absolutamente fulminante de nos encontrarmos e conhecermos o que não sabíamos existir, e tantas vezes aqui, cá dentro, no reduzido espaço interior do corpo em que vamos sendo.