segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Tanto perdão talvez não redima os pecados tantos


 O título de uma notícia que acabo de ler assevera que o recinto festivaleiro das jornadas mundiais da juventude vai contar, para além do ostensivo e milionário palco, com um Parque do Perdão composto por 150 confessionários. Há-de ser uma coisa muito impressionante e capaz de assegurar a confissão em doses industriais, como um fast-food da redenção e do arrependimento hipócrita, pronto-a-vestir e despachado em ritmo expresso, com três padres nossos e um rosário de avé-marias. Assim se assegurará que os crentes estarão limpos e puros para deglutir a comunhão que, conforme facilmente se imagina, será ministrada em doses cavalares no pantagruélico recinto. 

Para ordenar o tráfego dos pecadores, sejam meros glutões ou indecentes cobiçadores, talvez o confessódromo venha a contar com um sistema de semáforos luminosos semelhante ao que há alguns anos vi na catedral de Compostela, não vá algum penitente mais esbaforido sentar-se no colo de outro que se lhe tenha adiantado na admissão de culpa — e, vendo o que vai na procissão, não hão-de faltar arrependidos às resmas, revelando no cerimonial segredo as mais mesquinhas tentações, da trivial ostentação à mortal vaidade, dos judiciais perjúrios às faltas veniais, da cobiça capital à quase infantil masturbação ou ao assassinato político. Mais depressa e facilmente se lava, afinal, a consciência desta gente toda do que o diabo demora a piscar-lhes um olho. 

Mas 150 confessionários, senhores, é coisa para carecer de muita mão-de-obra qualificada, eficazmente organizada em turnos e levadas em conta as devidas pausas para o almoço, jantar e lanche, ou para a satisfação de outras humanas necessidades. Tal como na retórica pergunta em que se procura saber quem policia a polícia, e tendo em conta a impureza que vai nas hostes da igreja, talvez seja caso para perguntar, também nesta circunstância, quem confessará os que vão remir a multidão dos pecadores?

Imaginando o belo espectáculo que se comporá no chamado Parque do Perdão, atrevo-me a propor que se providencie a contratação por ajuste directo de um ou mais pintores de fantasias morais, aos quais caiba ilustrar a imundice que ali irá desaguar, desenhando-a ao jeito de Bosch. Um evento desta grandeza, como há dias dizia o edil da capital, merece ser devidamente documentado para memória futura e regozijo dos turistas que, mais tarde, venham visitar os museus da espantosa cidade onde ocorreu tão monumental evento.