sexta-feira, 5 de março de 2021

Especialista em felicidade









Um pasquim cá da terra, de cujo nome não quero lembrar-me, entrevistou esta semana um ser humano que identificou genericamente como um "especialista em felicidade". Bem-aventurada criatura! É preciso ser-se muito alienado para reivindicar (ou aceitar) uma designação tão distante da realidade de quase toda a gente, e não ter contas para pagar nem infiltrações no tecto da casa de banho, nem pó acumulando-se nos cantos da casa, nem parentes falecendo, nem filhos deprimidos, nem fungos nos pés, nem dores nas articulações, nem cólicas, nem ter de passar os dias encerrado em casa, nem estar jamais com a veneta, nem ver os velhos dormindo à porta das agências dos bancos ou os novos pobres na fila para a refeição da caridade, nem, enfim, viver no mundo real e concreto onde os outros humanos apenas se esforçam para ir, ao menos, sobrevivendo, tão distantes da felicidade como de Marte ou do asteróide B612. Também há-de ser preciso demasiada credulidade para acreditar em especialista em felicidade ou em mestres em vida eterna, só para dar outro exemplo estúpido, ou ainda em treinadores de mindfulness, mas parece que há sempre gente capaz de engolir qualquer patranha e de estar de bem com os próprios enganos, de algum modo como se a vida e o mundo se resumissem ao ínfimo perímetro dos seus umbigos sem cotão.