terça-feira, 12 de maio de 2020
Desconfinamento
Palavra de honra: prometo solenemente não escrever nenhum livro de ficção remotamente relacionado com o tema da pandemia vigente, evitando, desse modo, contribuir para a avalancha de livros dedicados ao confinamento que, segundo tenho lido, promete agitar o mercado editorial no decurso dos próximos meses. Os que me lêem, sendo pouquíssimos e contados, conhecem-me e saberão sobejamente que sou avesso a multidões, avalanchas, ajuntamento, romarias e tendências dominantes. Estou perfeitamente bem no meu canto, no meu reduto, na margem que me calhou guardar, e temo inclusivamente ter amofinado os ocasionais leitores do Teatro Anatómico com a sucessão despropositada de textos vagamente relacionados com a trepidação pandémica. Já bem me chegou ter de viver esta época tão peculiar da nossa vida em sociedade, ou do nosso súbito, desmedido e exagerado apartamento social, para que ainda fosse agora escrever alguma coisa mais avantajada em torno de um episódio tão aborrecido e acabrunhante. Tirando isto, o meu desconfinamento vai de vento em popa. Já marquei hora no barbeiro e venho de fazer a radiografia aos pulmões e o electrocardiograma com prova de esforço que o súbito esvaziamento de tudo haviam adiado. Em ambos os casos os técnicos encarregues de manipular as máquinas me perguntaram pelo motivo do exame. Disse-lhes que não sei. Suponho que se trate apenas de mais um dos inconvenientes da idade, a par da misantropia, das pastilhas para o colesterol (que não vou tomar) e do mau feitio.