terça-feira, 21 de abril de 2020
O doce paraíso das crianças cândidas
Sossegai. Não vou dedicar esta página do meu confinamento aos novos alvores da tele-escola, que o ministério agora modernizou com um hashtag à maneira, a fim de procurar encantar os petizes. Move-me, isso sim, o mais recente discurso do nosso professor Pangloss, de acordo com o qual não apenas vivemos na melhor das pátrias possíveis como também num país que é ele próprio um milagre com quase nove século, aleluia. Embora tenda a desenvolver maior apego pelos milagres com pernas e pelas lições de física experimental que se lhes pode ministrar, não deixo de me comover alguma coisa e de escutar as harpas celestiais de cada vez que o nosso bom Pangloss nos coloca a par da sua filosofia tão optimista. Tudo vai, pois, pelo melhor. Veja-se o caso das máscaras. Não terá transcorrido mais de um mês desde o momento em que — de acordo com as autoridades nacionais e mundiais de saúde — as máscaras não deviam ser usadas. Agora dizem-nos que passarão, mais cedo ou mais tarde, a ser de uso obrigatório e, suponho, punível com multa ou admoestação administrativa o respectivo incumprimento. Independente das mui válidas razões que terão estado na origem das flutuações dos discursos técnicos e políticos oficiais (evitar o desporto nacional do açambarcamento e garantir que os profissionais de saúde dispunham de um recurso para eles essencial), não deixa de parecer estranha tão radical mudança de ordens e, por isso, passível de dar razão aos neofascistas que engodam à custa de afirmar a falsidade e a impostura dos outros políticos, todos iguais e tão igualmente pouco confiáveis. Não devemos, porém, levar demasiado a peito que os políticos de um e do outro lado tratem o cidadão comum como se tratam as crianças tontas que têm de ser enganadas para comer a sopa toda. Ao fim e ao cabo, é exactamente como crianças tontas, dóceis e fáceis de ludibriar que os supostos cidadãos se comportam durante a maior parte do tempo, acreditando candidamente na cantiga de qualquer Pangloss.