quarta-feira, 15 de abril de 2020
Requiem por Rubem Fonseca
Foda-se, José. Estava a mexer o frango na panela quando me disseram, porra, que tu morreste. Que merda é essa, Zé Rubem? Que merda de enfarte mais filho da puta é esse, cara? Em que caralho de livro essa gente leu que tu morreste, velho? Não sabem, esses cretinos, que os imortais não morrem? O que aconteceu, agora eu sei, é que há um cadáver novo, fresquinho, lá no necrotério, e dizem que é o teu cadáver, os imbecis. Mas o Rubem Fonseca que eu conheço, o fescenino, o Mandrake, ainda vai comer muita mulher magra, muita mulher com os peitos pequenos, vai beber muito vinho tinto português ruim pra caralho e, do meio deste mundo prostituto, levar todos os amores e o melhor charuto. Sentir todas as vastas emoções e pensar todos os pensamentos imperfeitos. Os idiotas do telejornal também disseram que morreu um dos mais importantes escritores brasileiros. Filhos de uma mãe mal afamada, que não sabem que és um dos maiores escritores da puta da Língua Portuguesa (hoje vai mesmo em maiúsculas que é para cabrão nenhum botar defeito) e que, se é para morrer, tem de ser com veneno de bufo, que é o único capaz de derrubar um velho duro como tu. Contei agorinha mesmo 29 livros teus na minha biblioteca, 29 livros que hei-de ler e reler todas as vezes que eu quiser, divertindo-me como da primeira, às vezes lembrando-me desse ano em que nos cruzámos na Póvoa de Varzim, tu carregando uma bengala e fingindo mancar, grande cara, mais fresco que uma alface quando subias ao palco e ficavas a declamar Camões caminhando de um lado para o outro e brincando de peripatético. Já não sei, Zé Rubem, em que livro teu foi que eu li e reli que viajar é uma maneira de conhecer imbecis que falam línguas diferentes. Lembrei-me disso agora porque imbecis de todas as línguas estão presos em suas casas, cagados de medo de uma doencinha qualquer, ignorantes de que um cara que é cara morre de uma coisa decente e já mortos de vontade de voltar a ir conversar com idiotas de outras línguas e contaminar-se com doenças de outras latitudes, que depois hão-de espalhar pelo mundo achando tudo muito bem e muito legal, oba-oba. A puta que os pariu, Zé Ruben. Onde é que tu está agora? O caralho é que tu morreste. Nem fodendo eu acredito nisso.