quarta-feira, 1 de abril de 2020

Cerco do Porto

A cidade quase vazia não vai, afinal, ficar rodeada por uma cerca sanitária semelhante à exigida pelo sempre excitado Malheiro, provavelmente convencido da futura utilidade eleitoral de tanta efervescência. Segundo me contam, aliás, uma rádio local ovarense não encontrou nada melhor para ocupar o domingo do que entrevistar em directo para as redes sociais a irmã do jovem atleta de Ovar que faleceu de meningite, contribuindo deste modo para aumentar o pânico e o medo relativamente à doença pandémica de que o rapaz acessoriamente padecia. Demonstrando que nem sempre é muito útil contar os tombados em combate enquanto ainda dura a refrega, nem reagir com histeria e precipitação a cada sopro do ar, comprovou-se também que os número que justificariam o novo cerco do Porto estavam, afinal, errados — o que só escassamente nos sossega. Acossados por um muro de ruído que tão depressa produz  uma informação como o seu exacto contrário, os cidadãos dificilmente são capazes de saber ao certo no que podem e devem acreditar ou levar a sério, encerrando-se e enclausurando-se em grutas sombrias governadas ora pela frenética ilusão das sombras mediáticas, ora pela dúvida, ora pelo medo. Nada, pois, como sair para apanhar algum ar fresco e caminhar socialmente isolado, meditabundo e um pouco louco. Aqui como na Alta Bretanha, lá longe, o ar continua cortado pelo vôo belo das pegas-azuis e pelo trânsito das nuvens que não conhecem a insanidade das barreiras, dos muros e dos cercos.