domingo, 8 de julho de 2012
O fracasso
Texto da coluna Piolho dos Livros da revista 2 do Público, publicada no dia 1 de Julho
Quando, logo mais, terminar a final do Campeonato da Europa de Futebol, haverá um país em festa, berrando a agitando bandeiras, e um outro país estará vergado pela derrota, à beira da depressão colectiva. É a mais regular das leis do desporto: para que uns triunfem é necessário que outros vejam defraudadas as expectativas do colectivo nacional, incompreensivelmente postas sobre os ombros de onze indivíduos em calções. Mas nunca ocorre a ninguém que, entre os jogadores que recolhem ao balneário cabisbaixos, haja algum que perceba alguma grandeza no fracasso; que alguém encontre consolo em ser um Johan Cruijff (o holandês que nunca triunfou com a sua “laranja mecânica”) ou um Enrique Vila-Matas.
Já aqui referi, há algumas semanas, o singular e mais recente romance do escritor catalão, Ar de Dylan, urdido em torno de um personagem que, sendo fisicamente parecido com Bob Dylan, persiste em fracassar o mais estrepitosamente que for capaz. O tema, porém, está longe de ser novo nos livros de Vila-Matas. Não só dedicou uma obra inteira aos escritores geniais que, qual Bartleby de braços ostensivamente cruzados, entenderam que seria mais razoável simplesmente não escrever, ou não voltar a escrever, como também já tinha, em Doutor Pasavento, começado a enfrentar o medonho fantasma do fracasso.
Releio agora, anos depois, aquela frase em que Pasavento reflecte sobre a injustiça que há no trabalho artístico e a angústia do escritor que sempre arrisca a ser desonrado por uma obra falhada, e pergunto-me se, em alguma das selecções que esta tarde se defrontarão em Kiev, não existirá também um futebolista, um craque absoluto e incontestável, que, porém, na hora de subir ao relvado, sente antecipadamente que o fracasso naquele jogo “pressupõe uma grande vergonha pessoal, porque não se conseguiu demonstrar nem a nossa inteligência nem o nosso talento”; ou um outro génio de bola que, demasiado consciente das coisas do mundo, não tema simultaneamente o fracasso e o próprio falhanço no fracasso, uma vez que é absolutamente certo que “não existe nada no reconhecimento, nada”, e no próximo domingo será necessário voltar a vestir os calções, apertar as chuteiras e voltar a enfrentar o medo de errar e de fracassar.
Talvez, sim, exista uma espécie de subtil poesia na derrota, no futebol como em outras actividades humanas – no amor, por exemplo, ou no trabalho. Não há como ignorar a dignidade dos onze que abandonam a relva de cabeça baixa, com o olhar apontado à biqueira das chuteiras. A derrota inibe o derrotado, esmaga-o, e planta nele uma angústia e uma melancolia amargas (coisas que, normalmente, se dissolvem no banho). No domingo seguinte, como na próxima jornada de trabalho ou na próxima paixão, o derrotado regressa ao palco do fracasso e tenta, outra vez, a sua sorte. Volta a acreditar. E isso é já uma forma de ser poeta ((ou louco, que é um pouco a mesma coisa).