Os indivíduos bem-educados queixam-se frequentemente, e com alguma razão, dos burgessos que atendem os telemóveis onde quer que estejam e que, depois, ficam a falar muito alto e a partilhar com os outros, no restaurante ou no autocarro, pormenores das suas vidas que francamente se dispensariam. O protesto, sendo compreensível, não se deve aplicar, porém, em casos como o do homem gordo que ontem foi de frente para mim no Alfa Pendular, com a enorme pança entalada na mesinha desdobrável e que, durante os trezentos quilómetros da viagem, passou quase o tempo todo a ressonar como um martelo pneumático (nos intervalos, falava ao telemóvel). A moça do banco ao lado, às vezes, também tentava passar pelas brasas, mas era quase sempre acordada pelos roncos do gordo – e sorria de mofa. Aposto que, no fundo, desejava, como eu, que alguém telefonasse para a ruidosa besta e a despertasse, nem que fosse para voltar a ouvi-lo a falar alto. Nada conseguiria ser tão desagradável como tentar ler enquanto ele roncava.