terça-feira, 24 de abril de 2012
Olha a minha figura, ó Passos, a querer assumir protagonismo
Retenho na memória a gravação de uma reportagem feita pelo Adelino Gomes no dia 25 de Abril de 1974. A Grândola, Vila Morena misturada ao som das botas da tropa moendo o chão de gravilha e, mais do que tudo, as pessoas na rua gritando em uníssono a palavra "liberdade". "Liberdade! liberdade! liberdade!", entoavam, felizes como nunca tinham sido. O 25 de Abril, para aqueles que viveram depois dele, foi muitas coisas, mas foi sobretudo isso: a ideia de que podíamos ser livres. De que podíamos aspirar a uma vida melhor, com direitos e protecção, solidária, mas, sobretudo, de que podíamos ser livres. Talvez, agora que tudo o resto se vai esboroando a uma velocidade que (quase) ninguém ousou prever, talvez valha a pena pensar se também a liberdade não se está a perder — a cada carga policial contra aqueles que pagam a polícia, mas também de cada vez que um cidadão aceita vender o seu trabalho muito abaixo do valor que tem, tornando-se mais e mais dependente, e cada vez menos livre, até ao dia em que precisará que lhe ofereçam a sopa e um cobertor para dormir debaixo do viaduto. Se dizer isto, recordar isto, é "querer assumir protagonismo", como hoje insinuou o indivíduo que nos governa, então saibamos, ao menos hoje e amanhã, assumir todo o protagonismo que já perdemos. Passos Coelho é só nosso empregado, não é o comerciante de escravos que trafica o que é nosso ao preço que mais lhe convém.