À segunda tentativa, dei na Madeira com um sítio do qual posso realmente dizer que gosto. Vi-o apenas do ar, durante a aterragem e a descolagem dos aviões, mas pareceu-me encantador aquele ilhéu na ponta leste da ilha: primeiro, aquele pedaço de mundo, do Caniçal para cá, tem uma geografia vulcânica e árida, como a corcova de um ser mitológico que estivesse a mergulhar nas águas e que tivesse sido congelado nesse gesto e ali imobilizado; depois, o ilhéu agreste e telúrico fez-me pensar nas paisagens de Cabo Verde; para além disso, aquele pedaço de terra faz parte da Madeira mas também está fisicamente separado da ilha governada por loucos mitómanos e indivíduos um pouco malcriados; finalmente, o ilhéu tem um farol. E eu gosto de faróis, já disse.
O farol de S. Lourenço é, aliás, a única construção do Ilhéu do Farol. Para chegar lá é preciso ir de barco. Não há estradas, não há automóveis e quase não há turistas embasbacados ou estendidos ao sol. Podia-se lá morar sem que ninguém viesse incomodar-nos com as coisas miúdas do mundo, longe da dívida pública e dos cobradores das finanças; cumprir a cada dia os gestos que produzem a luz útil que os faróis derramam no breu; ser prestimoso e louco; e morrer ali devagarinho (que é o mesmo que viver sem pressa); estar; ir estando.
Gosto muitíssimo do Ilhéu do Farol. Apesar (ou por causa) de nunca lá ter ido.