quarta-feira, 20 de julho de 2011
A miscigenação pelo estômago
Um tipo que passeia pelo mundo e passa o tempo (quase) todo a comer - não foi preciso mais do que isto para que me tornasse consumidor do programa Não aceitamos reservas, que a SIC radical transmitia em Portugal. Quantas vezes não fiquei a ver o norte-americano Anthony Bourdain a empanturrar-se em várias partes do mundo enquanto, do lado de cá do televisor, eu me dedicava a salivar e a invejar profundamente o apresentador, desejando estar sentado com ele à mesa nos sítios mais improváveis, de Tripoli à Namíbia, enchendo o bandulho como se não houvesse amanhã. Se ainda tivesse idade para coisas disparatadas como acalentar sonhos e fazer projectos para o futuro, acho que - quando e se, algum dia, vier a ser grande - gostava de ser como Anthony Bourdain.
Não aceitamos reservas é (ou era) essencialmente um programa sobre comida, assunto que facilmente me mobiliza, mesmo se, com o avançar da idade, ou apesar disso, me pareço cada vez mais com aquelas pessoas das quais se diz que “têm mais olhos do que barriga”. Mas o programa é também sobre certos pontos do globo aonde seria aconselhável ir por vários motivos, mas também porque, findas as andanças, vistas as pedras antigas e conhecido o folclore local, não há nada mais saboroso do que enfiar as pernas debaixo de uma mesa e deixar que as proteínas autóctones se misturem com as nossas.
Fernando Pessoa escreveu que viajar é perder países. Todavia, sendo um viajante tão intrépido e glutão como Bourdain, facilmente se concluirá que viajar é, ou pode ser, comer países – comê-los e, por essa via, incorporar algumas das suas mais autênticas moléculas no conjunto de todas as moléculas que compõem um indivíduo. Do ponto de vista da diversidade e do ecumenismo biológico, comer como Bourdain come há-de ser a segunda melhor coisa do mundo, imediatamente a seguir a ser marinheiro e ter uma Maria em cada porto (e um filho em cada canto do mundo).
Anthony Bourdain é também, de certa forma, do mais anti-português que se pode ser. O português típico, como bem sabemos, é o indivíduo que, apreciando sobremaneira o turismo, acha que só se come bem em Portugal e que, de Caminha para Norte, para lá de Vilar Formoso e de Sagres para baixo, a comida é toda uma porcaria inominável. O típico tuga considera, de forma indisputável, que a sardinha assada e os rojões à minhota são a coisa mais sofisticada que a mente humana engendrou. Por isso, quando sai do país, faz questão de não experimentar nenhuma das lavagens que se comem lá pela estranja, refastelando-se quando encontra um bitoque com batatas fritas ou, vá lá, um McDonalds.
Cozinhar e comer é, porém, uma das marcas culturais mais distintivas dos países e dos povos que por eles passaram e que lá acabaram por assentar. Saltar de uns sítios para os outros sem contactar com a realidade e diversidade gastronómica é, por isso, um pecado sem nome. Se um dia, por exemplo, for a Roma, faço questão absoluta de nem passar perto do papa. Mas gostava de ir comer ao Roscioli.