quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Matear no metro


A hora de ponta é a hora de ponta, anónima corrida entorpecida atrás do pilim que paga as contas de cada dia. Mas até nesse redemoinho é possível o benefício de uma pausa ou o assombro da suave excentricidade. No metro esta manhã, quando nele entrei, reparei na moça com a cuia e a bombilla na mão, mateando entre a multidão dos utentes como se banhada por uma luz diversa — talvez a luz de Buenos Aires, talvez a luz de Mendoza. Lembrei-me de Inti, a artista visual argentina que comigo partilhava a bávara varanda da Villa Waldberta, a qual, às vezes, aparecia também mateando e cumprindo a ancestral tradição dos tupi e dos guarani, sorvendo o suco da diurética, antibiótica e emoliente yerba. Lembrei-me também, e como não, de Oliveira, o personagem da Rayuela de Cortázar, que temia que em Paris se lhe acabasse a erva. "O meu único verdadeiro diálogo é com este jarrito verde", pensava Oliveira, e talvez o pensasse também a moça do metro esta manhã, mateando e cogitando com os seus botões, sozinha e cheia de graça no meio de tanta gente.