terça-feira, 17 de julho de 2018

O único lugar da casa onde ainda se consegue estar sossegado

Não tenho qualquer predileção especial pela mistura de erudição e escatologia (no sentido mais comum do termo), embora nada mo desaconselhe especialmente. A javardice em doses homeopáticas é, aliás, bastante libertadora.

Devo esta reflexão prévia, e respetiva profundidade, a uma frase de Julio Cortázar que li no romance Os Prémios e que anotei num documento word, para que ali, envolta de esquecimento e descaso, marinasse e adquirisse musgos e bolores, e talvez a condição de semente ou génese de ponderações e pensamentos mais vastos e vitais.

Considera a aludida frase, proferida por uma das personagens daquela ficção, que "os livros vão sendo o único lugar da casa onde ainda se consegue estar sossegado". Trata-se, com efeito, de um dos melhores argumentos a favor da leitura e que talvez pudesse e devesse ser citado em eventuais campanhas de promoção do anacrónico objecto de papel e tinta.

Se a frase produz um certo efeito em favor do uso do livro e da literatura enquanto espaço de refúgio e evasão, sendo frequentemente mais relaxante e instrutivo do que umas férias em Bali com tudo incluído (até mesmo os outros turistas), não é menos verdade que não formula uma verdade absoluta. É frequentemente possível encontrar em casa outros locais "onde ainda se consegue estar sossegado", nomeadamente aquele que se usa para a prática de algumas abluções.

Ai que prazer, como diria Pessoa, ter um livro para ler e poder aceder ao suave benefício do corpo e da mente que proporciona a coincidência dos dois únicos lugares onde se pode estar tranquilo e alheado de tudo, longe, longe, longe, e dedicando aos aborrecimentos aquilo que eles merecem sem carecer de metáfora nenhuma.