A frase de Rubem Braga produz, é verdade, um certo efeito
poético. Mas não passa de uma falácia. Os jornais (e também as televisões, as
rádios e os sites) estão soterrados de vida e tresandam a uma realidade
sórdida, suja e vil, muito semelhante àquela que, nos anos 1950, inspirou as
melhores crónicas do também brasileiro Nélson Rodrigues (1912-1980): crimes
passionais, raptos e violações, mulheres queimadas pelos maridos diante dos
filhos, parricídios, vandalismo, cadáveres apodrecendo em casas abandonadas,
corrupção e enriquecimento ilícito, gente que não tem onde tomar banho nem uma
casa para morar.
Há tanta vida nos órgãos de comunicação social que, para
escrever o parágrafo anterior, apenas necessitei de folhear uma única edição de
um jornal diário do mês passado. Mas há dias piores. E pasquins ainda mais
sugestivos e absolutamente empenhados em produzir um «jornalismo que se cruze
com a vida das pessoas» (sobretudo naquilo que ela tem de mais desagradável e
torpe). E existe sobretudo uma quantidade inacreditável de sites e edições
online onde se tem acesso gratuito e instantâneo à repetição ad nauseam das mesmas notícias,
profusamente comentadas por uma multidão igualmente viva e também mesquinha e
analfabeta – um flagelo de gente incapaz sequer do pudor de se abster de
redigir umas sucessões de palavras enraivecidas e que não chegam a compor
frases seja em que idioma for.
Numa entrevista de 1991 ao Expresso, o escritor José Saramago (1922-2010) dizia que há momentos
na história em que «a esperança ocupa o espaço todo». Este não é um desses
momentos. Soterrado pelas cataratas de mediocridade, estupidez, vileza e
imbecilidade que a comunicação social produz e reproduz a cada instante,
qualquer indivíduo acordado, informado e livre de psicotrópicos tem grandes
dificuldades para manter ao menos algum optimismo.
*Crónica ilustrada de Fevereiro na revista Notícias Magazine
*Crónica ilustrada de Fevereiro na revista Notícias Magazine