segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Uma loira sentada no banco de trás

Uma destas manhãs, na fila da auto-estrada, reparei no Ford Fiesta azul escuro que ora me ultrapassava, ora ficava para trás. O carro tinha a pintura gasta, queimada, arranhada, e as jantes enferrujadas. Ao volante, um tipo de cabelo curto e óculos de sol. Tratava-se de um homem aparentemente comum não fosse a mulher loura platinada sentada no banco de trás, no centro do banco de trás, direita como uma madame num carro com motorista. Espreitei-a: parecia serena e vaga. A loura sentada no banco de trás era, em todo o caso, uma espécie de anomalia, um desvio da norma naquele Ford Fiesta enferrujado avançando devagar na fila matinal da auto-estrada. Procurei imaginar o que fazia a loura num carro velho com motorista. Todas as hipóteses me pareceram bons inícios para uma ficção. Nenhuma delas indicava que a mulher tenha uma vida comum semelhante à das outras pessoas que, ao nascer do dia, avançam devagar nas filas da auto-estrada.