quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Napoleão Bonaparte

Alguma coisa nisto tudo, parece evidente, não bate certo.
Acordo de manhã e o noticiário da rádio anuncia um milagre económico em curso. Acordo de manhã e a rádio anuncia a diminuição do desemprego. Acordo de manhã e a voz do despertador diz que a recessão acabou, que a economia cresce. Levanto-me da cama, subo os estores, ponho-me debaixo de um jorro de água quente e, todavia, quando enfim me sinto desperto e vivo, não estou menos desempregado do que no dia anterior, nem menos recessivo, nem o milagre da economia poisou sobre mim o benefício das alvas asas com que há-de ter descido à terra, qual anjo de bondade democrata-cristã, beatífico e puro como Paulo Portas quando olha de frente para a lente das televisões a fim de perscrutar os olhos de cada português diante do ecrã.
Esmagado pelo meu desatino, lembro-me de Gibreel Farishta, a personagem de Salman Rushdie, convencido de que é um anjo de Alá, ou, mais prosaico, o proverbial esquizofrénico paranóico que julga ser Napoleão Bonaparte. Alguma coisa, reflicto, está errada nisto tudo e não bate certo. Mas ainda não sei ao certo se o problema está no país, em mim ou na porcaria do rádio-despertador.