domingo, 16 de dezembro de 2012

Um sonho de domingo


Os domingos de Dezembro possuem particularidades impagáveis. Acorda-se, almoça-se, lêem-se algumas páginas do extraordinário Austerlitz, faz-se uma sestazinha e, quando se acorda, já é noite densa. Durante o sono, porém, o tempo adquire as propriedades elásticas da hiper-realidade. Esta tarde, por exemplo, o Pina veio cá a casa. Esteve por aí um bocado a fazer já não sei o quê, e depois acompanhei-o ao elevador pelo corredor às escuras. Por causa disso, percebemos que a parede do apartamento tinha uma frincha junto ao rodapé, através da qual se via o reflexo de umas conchas e de umas estrelas-marinhas que eu não me recordava de ter em casa. Envergonhei-me da frincha, mas o Pina disse uma frase poética sobre aquilo que se via através dela, e abriu a porta do elevador, que, afinal, não era bem um elevador. Ou melhor: era um elevador mobilado como se fosse uma casa-de-banho, com um bidé, um lavatório e uma sanita, entre os quais havia um homem deitado e imóvel. Estaria morto? Sacudi-o e bati-lhe na cara, o indivíduo acordou, mas apenas se moveu para se virar para o outro lado e continuar a dormir, o que me pareceu uma enorme impertinência, já que o Pina precisava de utilizar o elevador. O meu amigo, porém, não se incomodou de partilhar o espaço com um tipo adormecido e preguiçoso. Desceu. E deixou-me abandonado a governos mais destruidores que mil furacões e a pessoas que usam armas como se fossem buquês de flores.