sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Tempo e tardes de chuva


Tenho entre as mãos, agora, um tempo que parece infindável. Tenho-o gasto sobretudo a escrever — a tentar escrever. Escrevo e vejo os dias sucedendo-se diante da janela, e como o céu incandescente do Outono se tolda de nuvens e se transforma num tapete sujo. Depois chove copiosamente e o vento rouba às árvores o pudor das últimas folhas. É quando escrevo mais, nestas tardes em que a borrasca se parece com as descrições de certos livros melancólicos, mesmo se não sei que propósito há nisto de passar manhãs e tardes inteiras inventando frases que talvez não cheguem a ser lidas. Escrevo mesmo quando duvido de tudo, ou talvez, precisamente, porque duvido de tudo e escrever seja a única coisa que depende apenas da minha vontade, do esforço que seja capaz de reunir. Às vezes escrevo com as mãos frias, com os pés frios, e parece-me que o gelo desses dias me coloniza também a cabeça e o discernimento, as ideias. Ainda assim, creio que seria capaz de passar a vida inteira a escrever, sem necessidade de fazer outra coisa para além deste matraquear dos dedos nas teclas do computador, desta espécie de música que se mistura com o remoinho do vento nos braços nus das árvores, com o rumor da chuva e com as sirenes das ambulâncias passando ao longe. De vez em quando ergo-me da cadeira que me faz doer as costas, vou fumar uma cigarrilha e faço uma fotografia. Também gosto de fotografar. Seria feliz se pudesse viver de escrever e fotografar. Mas não posso. Não dá. Ocorre-me que devia, ao menos, ter nascido rico ou com talento. Mas tudo o que agora tenho é tempo. Tempo e tardes de chuva.