Não sei se é do avanço inexorável dos anos, ou se o devo atribuir a outro motivo qualquer, mas acordo agora mais cedo do que é costume, bem antes de o som do despertador irromper no escuro com a informação das temperaturas nas principais cidades e a primeira dose cavalar de más notícias do dia. Fico uma hora, duas, a dar voltas à cama, maquinando, juntando ideias que provavelmente não concretizarei e frases que terei esquecido antes de tê-las anotado para que não se percam. As metáforas da análise política progridem para o horror absoluto e hoje ouvi um ministro de má memória (que tornou mais difícil a vida de quem trabalha) chamar “terramoto de grandes proporções” ao Orçamento de Estado para o próximo ano. A desfaçatez avança de braço dado com o esbulho. O Relvas e o Passos estiveram dois anos sem se falarem enquanto metiam fundos comunitários nos bolsos um do outro. Não há crime nenhum nisso, nem em outras mentiras e falsificações. As nódoas na consciência lavam-se com notas de euro e fica tudo limpo, como naqueles detergentes dos anúncios que passam nos intervalos do serviço público que transforma em notícia, com direito a entrevista em directo no telejornal, o eventual apoio de um indivíduo a um outro sujeito que manda num clube de futebol. Acordo agora mais cedo e tenho, por isso, muito tempo para pensar em muitas coisas. Mas preferia dormir, não saber, não pensar.