terça-feira, 11 de setembro de 2012

O poder evasivo da leitura


Quando entro numa livraria espanhola, a segunda coisa que faço é espreitar a estante onde estão expostos os "Compactos" da Anagrama (a primeira é cobiçar as novidades). Na última visita, entre as várias opções disponíveis do Juan José Millás, optei pelo No mires debajo de la cama, creio que por ter imediatamente estabelecido uma qualquer relação com o brilhante O que sei dos homenzinhos. O livro tem também, de resto, uma espécie de universo paralelo: não de pequenos homens, mas de sapatos que se animam e ganham vida biológica quando a noite chega, e que andam pela casa a comer peúgas, coexistindo, na obscuridade, com as ratazanas e com um qualquer monstro capaz de trocar os pés das pessoas e de matá-las de susto. Os planos da realidade e da ficção embrulham-se um no outro e reproduzem-se mutuamente (há um livro lido pelas personagens que se chama precisamente No mires debajo de la cama e que conta o que está a suceder-lhes), mas o que mais me interessou foi a morte de um personagem, um investigador forense, no momento em que espreita para debaixo de uma cama. Fiquei a desejar, e nem sequer tão secretamente como isso, que uma dúzia de sujeitos que eu cá sei fossem hoje mesmo espreitar debaixo da cama e tivesse o mesmo fim. Antes de que tenham tempo de assinar mais algum decreto.