domingo, 12 de agosto de 2012

Um domingo na praia


Crónica urbana da revista 2 do Público, publicada no dia 5 de Agosto

Sendo este, como é, um domingo de Agosto, existe alguma probabilidade de terem, o leitor e a leitora, aproveitado o estival calor para se porem ao fresco, concedendo-se o direito de passar o dia vegetando em cima de uma toalha de praia. Talvez, neste mesmo instante, estejam já arreliados com a areia que se enfia em tudo o que é canto, que se cola ao corpo, que aleija os cotovelos e que colonizou mesmo as páginas desta revista. Estão muitíssimo amofinados e até sem vontade de ler o que aqui está escrito, mas que diabo, vejam ao menos os desenhos e preparem-se para o que ainda sobra do dia, pois é bem possível que ainda tenham pela frente uma longa fila de trânsito para regressar a casa. Já que não lhes ocorreu apanhar o autocarro até uma das praias que há dentro do Porto – como a Praia do Molhe, por exemplo – deixem-se, ao menos, ficar mais um pedaço ao sol.

Com alguma sorte, e por muito inverosímil que isto pareça a quem conhece a região, a praia do Molhe tem às vezes dias de praia quase perfeitos, sem vento nenhum e o mar quieto como sopa. Estava exactamente assim quando, há dias, lá fui para (digamos assim) colher impressões para esta crónica: não havia nortada e os pára-ventos estavam transformados numa excentricidade sem préstimo. Quem ali chegasse sem aviso nem sequer havia de perceber a aglomeração de gente instalada junto da mais abrigada face sul do paredão de pedra que vai pelo mar adentro, e de cuja ponta, às vezes, há uns mocetões intrépidos que saltam para a água como se estivessem nos Jogos Olímpicos.

Eis um dia de praia espectacular, portanto, ainda com uma réstia de neblina pairando sobre os rochedos e as águas quietas, nas quais os mais velhos mergulham as canelas para dar guerra às artroses, ao reumático e aos outros achaques do esqueleto. Os mais pequenos chapinham com grande algazarra, atiram bolas, baldes de plástico, e chamam alto pela Tatiana e pela Carina, uma qualquer dessas ninfetas de biquíni de corte brasileiro, as quais sempre estão cercadas de garrafinhas de água, embalagens de protector solar, óculos escuros e chinelos de meter o dedo, hidratando-se como quem enfrenta os infernais rigores. Uma ou outra, às vezes, pratica o topless com a pele muito besuntada de cremes. Já os moços, em flagrante contraste indumentário, usam grandes calções até ao joelho, ou até maiores, e caminham quase em câmara lenta e com os braços afastados do corpo, para armar cabedal.

Um dia, independentemente das vaidades da puberdade, ninfetas e morcões, Carinas e Diogos, podem perfeitamente estar transformados naquela encanecida dona Fernanda que tem sempre alugada uma das barraquinhas coloridas com publicidade a uma marca de gelados, ou numa dessas pessoas disformes e gordas que empurram diante de si as grandes barrigas, ou que, estando deitadas, as empinam para o sol. Trocam de roupa muito discretamente, com a ajuda de uma toalha posta em volta do dorso, e deixam-se ficar a tarde toda com as camisolas enroladas na cabeça (diz que o sol a bater no cocuruto é uma coisa muito maligna).

Todos juntos, vistos do banquinho de pedra onde me sentei em traje de trabalho, têm em comum a pele tisnada e o atávico apego às tardes passadas de papo para o ar. Isto e também, muito provavelmente, a impossibilidade de fugirem para praias mais distantes, de onde haveriam de voltar cansados e irritados – como, se calhar, vai suceder daqui a pouco ao leitor que ainda esteja desse lado da página.