sexta-feira, 9 de março de 2012
Terra na boca
Lembrei-me disto há alguns meses, enquanto via o meu amigo Flávio a fazer de conta que comia terra. Hoje veio-me à memória outra vez: tinha onze ou doze anos e, ao sair da escola a que então se chamava ciclo preparatório, fui agarrado por um pequeno grupo de rapazes que me bateram e empurraram. A dada altura derrubaram-me e deitaram-me numa espécie de canteiro que havia à porta da escola, agarraram num punhado de terra e obrigaram-me a abrir a boca. Meteram a terra dentro da minha boca e fugiram a correr, divertidos e triunfantes, enquanto eu cuspia a terra e me sentia profundamente humilhado. Creio, por isso, que nunca contei o episódio a ninguém, mas lembro-me até hoje, com uma estranha nitidez, do sabor que a terra tinha. Aconteceu há mais ou menos trinta anos. Não havia telemóveis com câmara de filmar nem Youtube, e ninguém conhecia a palavra bullying. Eram os anos felizes e Portugal um país sem crime.