domingo, 11 de dezembro de 2011
Exercício prático para voltarmos a ser pobrezinhos
Tendemos naturalmente, os realistas, a ser exagerados e a ver catástrofes onde elas, na verdade, não existem. A austeridade, por exemplo — pode acarretar iniludíveis vantagens sociais que não se enxergam imediatamente, mas que estão lá, mergulhadas na escuridão. Foi o que me aconteceu ontem, quando uma avaria em várias subestações da EDP me deixou a viver (quase) na Idade Média durante um par de horas. No princípio não víamos a ponta de um corno, a Maria protestava que não podiam tomar banho e mais não sei o quê, mas, daí a nada, tínhamos outra vez música e o jantar na mesa iluminada por uma vela destinada a disfarçar o odor do tabaco. Graças ao fogão a gás, ao iBook com a bateria carregada e a um iPhone convidado, muitíssimo jeitoso para alumiar o esturgido da feijoada, jantámos com alguma normalidade e, depois, enquanto esperávamos que a electricidade regressasse para lavar a louça, jogámos um daqueles jogos sociais que me aborrecem enormemente (ganho sempre). No fim, o Afonso ainda desenhou um retrato espectacular da irmã, mas aí já tínhamos outra vez luz em casa e havíamos voltado a viver à grande, como se não estivéssemos no país do Passos Coelho e do Vítor Gaspar. Mas a verdade é que, ficou provado, se podemos perfeitamente viver (quase) na Idade Média, é também possível voltarmos a ser pobrezinhos como no tempo da outra senhora. Não é a melhor coisa do mundo e não será fácil explicar ao Afonso que aquilo de desenhar retratos não é uma actividade muito promissora para pelintras como nós, mas, que diabo!, mais tarde ou mais cedo ele também vai ter que perceber que a Scarlett Johansson não chega para todos.