sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Dois amigos de parabéns

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)



1.Espero que não me levem a mal, mas vou voltar a escrever sobre a Mayra Andrade. Sou partidário de que qualquer motivo é bom para invocá-la e considero que a simples menção do seu nome confere imediatamente bom aspecto ao mais desinteressante dos textos. Neste caso, porém, Mayra fornece triplo motivo de regozijo a todos aqueles que se habituaram a apreciar o seu trabalho.

Em primeiro lugar, acaba de ser lançado o mais recente disco da compositora e cantora, “Studio 105”, o qual, segundo a crítica, se destaca por apostar num registo intimista que permite destacar a voz doce e rouca que ela tem. Canta Orlando Pantera e Teté Alhinho, mas também Serge Gainsbourg e os Beatles. Ainda não pude escutar os novos enleios da voz de Mayra, mas estou já ansiosamente à espera do dia em que o disco se estreará no ar frio da minha sala, provavelmente aquecendo-o com a cálida voz que ela tem.

Por estes dias, cá por cima, Mayra foi ainda motivo de notícia por ter gravado um fado em parceria com Pedro Moutinho, num dos discos mais badalados da saison musical tuga. E, se isto não fosse já suficiente, Mayra cantará hoje no Casino de Paris, onde, no dia em que escrevo esta crónica, há notícia de rigorosos nevões e de uma inclemente vaga de frio. Era capaz de jurar que tudo isso passará assim que Mayra subir ao palco para cantar.

2. Já com algum atraso, não quero deixar de saudar o lançamento, aí na cidade da Praia, do livro de estreia do Abraão Vicente nas lidas literárias, “O Trampolim”. Tive ocasião de ler a obra antecipadamente, há mais de um ano, mas, de tudo, aquilo de que mais gostei foi da ressonância melancólica e da promessa de drama familiar do primeiro capítulo. Fiquei com vontade de saber o que sucedeu a Zara, o que sucedeu a Katina e que vida teve Carla na Holanda; exactamente o que mudou naquele dia em que se sacrificou a cabra Estrelinha à festa da família; que rumores pairavam sobre o clã de Alcides Barbosa Vicente.

É sempre um pouco insensato permitir-se que a literatura nos entre pela vida dentro. O Abraão, porém, deixou-se contaminar e, agora, como seu amigo, tenho apenas que fazer aquilo que cabe aos amigos. Fico ao lado dele, de pedra e cal, para o que der e vier, pois, às vezes, a literatura é uma febre que se transforma num turbilhão, numa revoada, num desses vendavais que levam a areia da Gamboa até bem longe e a infiltram no mais profundo de nós.