segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Meretrício seguro

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 2 de Novembro de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)



Algumas pequenas notícias funcionam como minúsculas faúlhas capazes de atear grandes incêndios em espíritos tão destrambelhados como o meu. Foi o que aconteceu com o apontamento que, há dias, na revista Sábado, divulgava o facto de as prostitutas de Mérida, em Espanha, estarem a adoptar o uso de coletes reflectores quando se encontram a cumprir as respectivas jornadas de trabalho na via pública.

Ao contrário do que possa supor-se, o uso dos coletes por parte das profissionais do meretrício não se destina a atrair a atenção dos automobilistas de modo angariar clientes e a tornar mais proveitosa a actividade a que se dedicam. De acordo com a notícia, as senhoras e moças foram, isso sim, mais ou menos obrigadas a usar o dispositivo reflector, de modo a cumprirem escrupulosamente o artigo do código da estrada segundo o qual, por motivos de segurança, qualquer peão que circule fora de uma localidade tem de usar o famoso colete amarelo. A alternativa, parece, seria pagar uma multa de 40 euros de cada vez que fossem detectadas em contravenção pelas autoridades rodoviárias.

Tendo-me deslocado recentemente a um centro de inspecção automóvel (onde também me foi exigido que mostrasse o colete reflector da praxe), dei por mim a imaginar uma situação delirante em que as meretrizes de Mérida estariam obrigadas, como os automóveis velhos, a uma fiscalização periódica. Teriam, então, que fazer prova de possuírem testes médicos comprovativos da sua boa situação sanitária, minissaia adequada, preservativos em bom estado de conservação e colete reflector homologado conforme a norma europeia CE EN 471.

Embora isto possa não ser óbvio à vista desarmada, a logística da prostituição é um tema bestialmente literário. O escritor peruano Mário Vargas Llosa, por exemplo, tratou-o no romance Pantaleão e as Visitadoras, de 1973. Dotado de uma imaginação extravagante, o prémio Nobel da Literatura de 2010 imaginou que o exército do Peru, a braços com a baixa moral das tropas isoladas nos campos militares da inóspita floresta amazónica, ordenava a um oficial com uma folha de serviço irrepreensível, Pantaleão Pantoja, que organizasse um destacamento de meretrizes encarregado de levar algum alívio à soldadesca desterrada.

Sendo um oficial escrupuloso e eficiente, Pantoja põe de pé um serviço que segue as regras do sigilo e da hierarquia castrense e obedece às mais eficientes disposições da logística militar. As visitadoras são, assim, seleccionadas de acordo com parâmetros bem definidos, tendo em conta os objectivos específicos da missão, a dureza das viagens de barco pelo rio Amazonas e a complexidade da tarefa a cumprir. O bravo pelotão é ainda sujeito a vacinação adequada e a rigorosos exames de despistagem médico-sanitária, para garantir que não há propagação de maleitas. Creio que à metódica personagem de Vargas Llosa não ocorreu, porém, equipar o contingente com os coletes salva-vidas que tornassem mais seguros o meretrício e a navegação fluvial. Se fosse hoje...