sexta-feira, 26 de março de 2010

O Germano

(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)




Cismo, às vezes, que tão cedo não volto a comprar livros - pelo menos até ter debelado o monte dos romances que já comprei e ainda não li, e enquanto não tiver voltado a mergulhar em livros que recordo com alguma nostalgia -, mas, uma noite destas, fui tomar café ao fundo da rua e não resisti. Tinham, num pequeno armário envidraçado junto ao canto dos jornais e das revistas, o romance “Os Dois Irmãos”, do Germano Almeida, numa edição que custa apenas dois euros e meio (250 escudos de Cabo Verde). Comprei-o imediatamente, não apenas pelo preço módico e porque ainda não o li, mas sobretudo porque escutei o Germano contar há dias, na Póvoa de Varzim, como os seus leitores o interpelam para exigir que escreva mais livros, alegando que “precisam de dar umas gargalhadas”.

Não desdenho, nunca, da possibilidade de dar umas boas gargalhadas e, ainda por cima, lembro-me de como me foi agradável a leitura de “O Testamento do Senhor Nepomuceno”, que tinha já visto no cinema, pela mão do realizador Francisco Manso. Ri, aliás, mesmo antes de iniciar a leitura de “Os Dois Irmãos”, uma vez que me lembrei de que estive com o Germano Almeida de todas as vezes que fui a Cabo Verde: duas vezes na casa dele, no Mindelo, com encontro previamente marcado, e, pelo meio, graças a um encontro completamente ocasional na cidade da Praia, onde eu estava para cobrir a rodagem de “A Ilha dos Escravos”, outro filme do Francisco Manso (mais uma das espantosas coincidências que me unem às ilhas). Simplesmente fui assistir ao lançamento de um livro com a minha amiga Margarida Fontes e, à entrada da sala, lá estava o Germano, enorme e totalmente vestido de branco como um devoto dos orixás.

Admiro muito, e tento cultivar, a capacidade de fazer rir os outros com a simples junção de palavras e, por isso, admiro também o modo como o Germano de Almeida é capaz de provocar a gargalhada dos seus leitores. Mas também o invejo. Se, na Póvoa de Varzim, vestido com roupas escuras e grossas para enfrentar o Inverno, parece apenas um homem grande e respeitável, no Mindelo, vestido de branco e no recato sossegado da sua casa no Alto da Boavista, o Germano Almeida é o retrato vivo de um homem de bem com a vida, mesmo quando, como da última vez, estava a caminho do hospital para ser submetido a uma intervenção cirúrgica. Recordo o escritório dele, forrado de livros, e espero, um dia, poder habitar na suprema bem-aventurança de um sítio assim, repleto de histórias que parecem murmurar das estantes. Preciso apenas, bem vistas as coisas, de continuar a não resistir às tentações.