(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 23 de Fevereiro de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)
Camões, que foi poeta, talvez não o imaginasse quando escreveu sobre aqueles que, por “obras valerosas, se vão da lei da morte libertando”, mas, por ter morrido com 36 anos, no apogeu da fama e da beleza, Marilyn Monroe, a loira e icónica actriz norte-americana, escapou a tudo: ao esquecimento, à implacável sentença do envelhecimento, à ditadura do lugar-comum e ao nome com o qual nasceu, Norma Jean Baker (ou Dogherty, quando casou com um marinheiro). Quase cinco décadas depois de ter morrido, não há ano em que não apareçam fotografias inéditas de Marilyn – e sempre Marilyn surge esplendorosa, mesmo quando a tristeza assoma no seu olhar. Viveu pouco tempo, mas imortalizou-se pela imagem.
Só este mês foram revelados dois novos lotes de fotografias de Marilyn e, se se percebe perfeitamente que tenha sido tão abundantemente fotografada, custa um pouco entender como foi possível que alguém o tenha feito e, depois, se tivesse esquecido disso e deixado os retratos a ganhar mofo dentro de uma caixa, como sucedeu a Len Steckler, o autor dos mais recentes inéditos. As imagens agora à venda mostram Marilyn de óculos fumados, nove meses antes de morrer, magra e sorrindo muito enquanto conversa com o poeta Carl Sandburg, em Dezembro de 1961, num apartamento nova-iorquino. A actriz, conta o fotógrafo, chegou três horas atrasada ao encontro porque estivera no cabeleireiro a tratar de embranquecer o cabelo, para combinar com o do poeta, então com 83 anos.
Também este mês, a revista Life revelou um conjunto de imagens inéditas de Marilyn, da autoria de Loomis Dean, mostrando-a na cerimónia dos prémios Henrietta, em 1952, usando um vestido estonteantemente decotado, e, no mês passado, fruto dos trabalhos de digitalização do seu arquivo fotográfico, a publicação encontrou uma longa sequência de retratos da actriz captados pelo fotógrafo Ed Clark no Griffith Park de Los Angeles, em Agosto de 1950. Ela usa, aí, uns pequenos calções claros e uma camisa (que tira para aparecer com um biquíni estampado). Em algumas imagens, a actriz lê aquilo que parece ser um argumento. Numa entrevista de 1999, porém, Clark disse que Marilyn lia poesia durante aquela sessão no Griffith Park (a poesia outra vez, sim).
É um elemento curioso: a despeito da imagem de superficialidade e do sorriso excessivo (e algo tonto) que era a sua imagem de marca, imortalizada em milhares de imagens, Marilyn foi inúmeras vezes fotografada enquanto lia, inclusivamente em posições menos ortodoxas. A fotografia foi capaz de congelar a estrela de cinema e a mulher incrivelmente bela que foi, dando corpo ao mito, mas é também graças à fotografia que podemos, hoje, vê-la a ler Leaves of Grass, de Walt Whitman, ou Ulisses, de James Joyce, livros infantis, jornais e argumentos de cinema. A avaliar pelos retratos, Marilyn Monroe - que foi casada, entre outros, com o dramaturgo Arthur Miller - lia mais do que o humano comum e não é improvável que lesse mais do que alguns escritores. Morreu, depois, em circunstâncias misteriosas. Como num romance.