Chega ao cais o diabo, muitíssimo provocador, e pergunta aos que vão entrando na barca para 2021, todos devidamente vacinados e com selo de garantia anti-covid na testa:
DIABO - Quanta pressa, ó cristão. Para onde julgas que as barcas vão?
INOCULADO DA PFIZER - Para 2021 e o quanto antes, que este ano que finda foi coisa para se olvidar depressa. Já tomei as duas doses do remédio e pretendo agora folgar como um vero barão do império.
DIABO - Vai ligeiro, bom otário, vai avante, que talvez sejas o primeiro a apanhar a nova variante.
INOCULADO DA PFIZER - Que dizeis, mau demónio? Devo também continuar a tomar supositório?
DIABO - Isso que agora tomais, e se assim vos enganais, há-de servir-vos de um grosso. Se não morrerdes do corona, nem de qualquer outro feitiço, haveis de morrer de outra coisa que vos ataque o toutiço.
INOCULADO DA PFIZER - Mil diabos, quanta angústia. Pode um crente quinar depois de se vacinar?
DIABO - Tu lá sabes ao que vais, crédulo de vão de escada. Mas se queres ser imortal desta vida tão precária melhor nem foras nascido dessa tua mãe otária.
INOCULADO DA PFIZER - Mas se cumpri confinamentos, e foram mais de trezentos, e ainda não espichei, não há-de ser por mau olho, ou dos teus comprazimentos, que me hei de agora finar.
DIABO - E usaste a mascarilha, filho duma ruim parelha?
INOCULADO DA PFIZER - E mantive, coisa e tal, a distância social, que ao filho da minha mãe ninguém pilha por ser desleal.
DIABO - Fizeste bem, ó rapaz, que este ano que perdeste de volta já ninguém traz.
INOCULADO DA PFIZER - Dizeis a verdade, demónio, por tudo quanto aqui jaz?
DIABO - A verdade-verdadinha, que eu não brinco em serviço. Quando chegar o ano novo, e a sorte te traga um chouriço, compara-o com o porco todo e logo verás, ó nabiço, que nada te fez imortal, nem te dá vida infinita. Hás de morrer como os outros brutos desta comandita. E se, acaso, não sabes nem suspeitas do veraz, vê lá que o bicho não venha agora comer-te por trás.
INOCULADO DA PFIZER - Quanta desdita adivinhas, satanás, tendeiro infante. Belzebu antigamente não tinha tantas trapaças. Hei-de então perder-me depois de tantas devassas?
DIABO - Se pensas passar a ponte, cuida bem aonde vais. Se o ministro o proíbe e mesmo assim tu te sais, o mais certo é que já estejas nos autos policiais. Essa barca que aí está, se não a estás a ver bem, não é a de 2021, mas só a que vai pró além.
INOCULADO DA PFIZER - Droga, grande diabrete! Que o corno te arrebente e não voltes a azarar. Se nada aqui tem remédio, e o caminho é só um, mais me valia folgar.
DIABO - Cão-tinhoso és só tu, se sofres precocemente. Folga à vontade, valente, que o naco que hoje não comes há de mamá-lo outra gente. E aquilo que hoje não gozas, com medo de ficar doente, há de fruí-lo o demónio, que de todos os mortais é quem vive mais contente.
INOCULADO DA PFIZER - Então e o ano novo? Não é o princípio do fim?
DIABO - Crer em tudo é demência — e nos telejornais... ai de mim! Nem isto é o fim do corona ou do teu ano mais ruim, nem os demónios cornudos, por muito que façam chinfrim, vão arrumar as botas ou desistir outrossim. Mais vale ficar no cais a ver as barcas partir, pois o destino que levam é uma coisa de rir. Quando chegarem de noite e não se vir nova gente, vão saber que o novo tempo é o mesmo de antigamente.