segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nem sempre o que parece é

Também na rua onde eu cresci existe agora um sítio onde se dá de comer àquelas pessoas cujas vidas o mundo destruiu. Cruzo-me, às vezes, com eles e, hoje, um rapagão com ar de gangster, utentes das refeições grátis, vinha a conversar com uma das velhinhas da vizinhança, numa cena digna daquilo a que as ciências sociais designam como "diálogo transgeracional". Tanto quanto fui capaz de entender, a velhota, pequenita, vinha a contar um caso qualquer em que esteve quase para matar não sei quem. "Se não me têm segurado, tinha-o matado. Estava agora em Custóias, mas matava-o", explicava. O moço de capuz pela cabeça, auscultadores ao pescoço, óculos de sol brancos, podia ter aterrado naquela viela de Francos vindo do Harlem ou de Johanesburgo. Escutava a velhota do alto dos seus quase dois metros. "Se não me têm segurado, tinha-o matado", repetia ela. E ele, pacificador, comentava: "E ia estragar a vida por causa disso?...".