segunda-feira, 11 de março de 2013

Merecemos e aguentamos (bis com manteiga)



No estado a que as coisas chegaram, o papel da informação de massas para o correcto esclarecimento dos cidadãos está ao nível da embalagem de manteiga no set de O Último Tango em Paris: dá um jeitinho.

Podia chegar a esta conclusão apenas por ter visto o notável Blancanieves (Branca de Neve em Portugal), de Pablo Berger, numa sala de cinema vazia (e num domingo à tarde). Mas refiro-me, isso sim, ao facto de, cerca de uma semana depois de Passos Coelho, o imprestável, ter defendido a racionalidade da descida do ordenado mínimo, ainda se estar a discutir o assunto muito animadamente — como se não se tratasse, outra vez, de um daqueles momentos de ilusionismo básico em que o mágico agita uma mão vazia diante dos nossos olhos para, às escondidas, tirar um coelho da cartola.

O truque tem sido visto bastantes vezes, mas, pelos vistos, continua a funcionar muito eficazmente: anuncia-se um cataclismo, ministros, comentadores e Borges irrompem das respectivas tocas para terçarem opiniões aparentemente contraditórias e, por fim, Marcelo, o douto, anuncia que está criado "um berbicacho". Um dia destes, de modo só aparentemente definitivo, Passos garantirá que o ordenado mínimo não vai diminuir, embora, se calhar, tenha de se diminuir outra coisa qualquer, que talvez pareça menos mal, ou menos insuportável naquele raro momento de alívio.

Enquanto isto ocupa horas de programação televisiva, páginas e páginas de jornais, passam duas ou três semanas durante as quais andamos entretidos com a novela, quase esquecidos já de que os ordenados não vão diminuir porque, na verdade, entre cortes nos subsídios, aumentos de preços e subidas nos impostos, os salários já diminuíram de uma forma brutal, e não foi só o mínimo. Estamos todos a lerpar, portanto. Mas vamos aguentando.