quinta-feira, 14 de março de 2013

Até faz espuma

Hei-de reconhecer, e não me custa nada vergar a cerviz à conta disso, que o estimado leitor não deve ter aprendido grande coisa com as crónicas do autocarro que, durante quase três anos, aqui se produziram. Eu mesmo, a bem dizer, não posso gabar-me de ter alcançado qualquer conclusão brilhante a partir do que fui escrevendo, e nem era disso que se tratava. Via e escutava. E, a partir disso, processava informação de um modo mais ou menos infantil, como um utensílio que, a partir de sobras de carne, ainda é capaz de produzir carne picada; ou que alcançasse obter uma espécie (menor) de literatura tendo por matéria-prima a chã e prosaica espuma da realidade.

Isto esclarecido, devo reconhecer que acedi hoje a informação deveras classificada no interstício do diálogo que dois idosos vinham estabelecendo a bordo do 207. Começaram por discutir assuntos de índole futebolística — como foi vergonhoso o jogo que ontem o Porto fez e coisas de semelhante estirpe —, mas, ao fim de um pedaço, principiaram a libertar pérolas que merecem investigação mais aturada. Por exemplo: existe um talho a que chamam Chicha Boa e que, por vinte euros, oferece não sei já quantos quilos de carne e uma broa. Ou: o facto de haver um sítio qualquer, a que chamam "a Piedade", o qual, pelos vistos, serve um madurão de alto lá com ele. Ou ainda: algures da Rua do Bonjardim esconde-se uma irredutível tasca que serve bacalhau assado e um verde branco "que até faz espuma".

Este é, parece-me, o género de dica que os serviços públicos de informação deviam investigar, a fim de esclarecer convenientemente os contribuintes que lhes pagam o ordenado. Como, pelos vistos, não o fazem (eu nunca vi), atrevo-me a supor que, qual Hermenegildo Capelo das esconsas vielas, vou ter de arriscar algum deslize nos níveis de colesterol e, enfim, apurar sozinho o que é que a Piedade tem.