segunda-feira, 18 de abril de 2011

Trepar às árvores*



Comemorou-se há coisa de uma semana*, e eu não sabia, o Dia Internacional de Subir às Árvores. Parece que é uma data marcada pelos ideais da ecologia e dedicada a “alertar para o mau uso que tem sido dado ao espaço florestal no nosso território”, invadido por “espécies florestais exóticas”. Embora simpatize com a ideia de encontrar “as pontes comuns de afecto e cumplicidade” entre o Homem e a Natureza, acho que o dia da festa foi muito mal escolhido. Se fosse eu a mandar, o Dia Internacional de Subir às Árvores comemorar-se-ia a 15 de Junho, na data em que, no ano de 1767, Cosimo Piovasco de Rondó, o ficcional Barão de Ombrosa, decidiu passar a viver em cima das árvores sem jamais pôr um pé no chão, conforme vem contado no romance O Barão Trepador, de Italo Calvino.

Segundo o comunicado que recebi por e-mail, o Dia Internacional de Subir às Árvores foi comemorado na Mata do Choupal, em Coimbra. Terá havido um piquenique, uma sessão de “dança natural” e um passeio guiado. No fim, os convivas treparam simbolicamente às árvores e apetece-me supor que alguns humanos chegaram a piar e chilrear para tentar corrigir o lapso da fauna coimbrã relatada no célebre poema do brasileiro Gonçalves Dias (“Minha terra tem palmeiras/onde canta o sabiá;/ as aves, que aqui gorjeiam,/ não gorjeiam como lá”).

No mesmo dia em que, em Coimbra, os ecologistas imitaram Cosimo Piovasco de Rondó e treparam às árvores, eu andei a caminhar pela Mata da Penoita, em Vouzela, entre coníferas belas como nos bosques dos gnomos e carvalhos antigos cobertos de um musgo muito verde e espesso. Sendo algo excêntrico, senti-me na mata quase como se estivesse em casa, escutando o pio dos pássaros, apanhando chuva e ouvindo o vento soprar nos ramos mais altos. Em nenhum momento, porém, me ocorreu trepar a essas encantadoras árvores cobertas de verde. Também não cedi ao impulso insensato de abraçar com força cada um dos carvalhos velhos, nem à ideia de ali montar uma cabana, mesmo se, às vezes, me apetece muitíssimo esconder-me num sítio aonde não cheguem as notícias do rating, dos juros da dívida pública e da campanha eleitoral em curso.

Perdi, pois, uma oportunidade excelente para imitar Cosimo e passar a viver uma existência selvagem e um pouco tola, alimentando a utopia de criar, entre as árvores, uma república de cidadãos livres e justos. Mas nem tudo está perdido. Não se diz em lado nenhum, no comunicado da semana passada, que os participantes da festa do Choupal desceram das árvores após o “momento culminante” em que treparam aos choupos, aos plátanos e às nogueiras-pretas. Posso, assim, imaginar que eles ainda lá estão, coerentemente acocorados nos ramos e aprendendo a viver como o adolescente Barão de Ombrosa. Uma semana será pouco tempo para que já lá tenham estabelecido uma sociedade mais justa, mas agrada-me pensar, ainda assim, que os amigos das árvores de Coimbra conseguiram, entretanto, fazer alguns avanços. Se as coisas estiverem a correr bem, já devem ser capazes de imitar o sabiá.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 5 de Abril de 2011