segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
Máquinas quânticas*
Tenho tido alguma dificuldade para entender o funcionamento da máquina quântica, a invenção que a revista Science considerou “a descoberta científica do ano de 2010”. Parece, pelo pouco que fui capaz de compreender, que a grande vantagem do dispositivo reside no facto de poder ser visto a olho nu, quando, normalmente, a quântica se manifesta apenas no mundo subatómico e de uma forma que contraria a experiência física comum e a mecânica normal das coisas que se podem ver e tocar. Há-de, pois, ser como uma espécie de wikileaks do mundo, capaz de revelar coisas que até aqui sucediam sem que ninguém pudesse vê-las (ainda que há muito tempo se suspeitasse da sua existência).
A máquina quântica, tal como a vi descrita, é um mecanismo da grossura de um fio de cabelo, dotado de uma espécie de lingueta supercondutora capaz de, ao mesmo tempo, vibrar muito e pouco. Ou ainda, conforme li noutra publicação, que pode estar simultaneamente em movimento e em repouso. Trata-se, portanto, de uma coisa admirável, que a revista Science resume numa pergunta: “Por que é que um carro e uma pessoa não podem estar em dois sítios ao mesmo tempo?”.
As possibilidades abertas pela física quântica são, assim, tremendas. Por exemplo: acaba de entrar um colega de trabalho que, ironicamente, comentou que a redacção deserta (somos três neste momento) está a “fervilhar de trabalho”. À escala humana, a afirmação não tem ponta por onde se lhe pegue. Mas, agora que é possível ver os quanta em acção, simultaneamente parados e em movimento, é realmente possível que a redacção fervilhe a um nível subatómico e que existam vários jornalistas que só não estão neste momento aqui e noutro lado qualquer porque andam distraídos e não acompanham os últimos desenvolvimento da ciência (mas eis que entra o António Arnaldo Mesquita, o qual, mesmo inconscientemente, já estava aqui e não estava um nanossegundo antes de chegar).
Estimulado por uma profunda ignorância sobre este assunto, sinto-me autorizado a imaginar, desde já, loucas aplicações práticas para a máquina quântica. Não me interessa absolutamente nada que o bater de asas de uma borboleta em Tóquio provoque um furacão em Nova Iorque (não tenho nada contra Nova Iorque), mas creio que, nos tempos difíceis que aí vêm, poderemos todos colher algumas vantagens da possibilidade de estar em dois sítios ao mesmo tempo. Não invocarei, sequer, a possibilidade de andar lá fora a apanhar sol enquanto estou aqui sentado a ganhar dores nas costas, a qual, em todo o caso, já seria um incremento significativo na minha qualidade de vida. O caso é que, com menos dinheiro na carteira, mais impostos para pagar e aumentos nos preços de tudo e de mais alguma coisa, haverá toda a vantagem em que nos transformemos, já no dia 1 de Janeiro, em fabulosas e moderníssimas máquinas quânticas, capazes, por exemplo, de estar ao mesmo tempo em dois empregos - ambos, provavelmente, no subatómico país das maravilhas.
*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 21 de Dezembro de 2010