sexta-feira, 3 de março de 2023

O uso que se dá às pernas

















Einstein garantiu-nos que o tempo é uma ilusão, mas o espaço pode, às vezes, ser também bastante relativo e enganador. Que o diga um dos aposentados que esta tarde iam palestrando no 504, o qual, após explicar ao amigo que andava "a caminhar", acrescentou que pretendia sair do autocarro na paragem da Casa da Música e aí apanhar o metro para ir à Baixa registar o euromilhões "da sociedade". O outro não quis mais nada e aproveitou para troçar de forma a que todos ouvissem: "Então isso é que é caminhar"? Pensei que talvez o mofador não estivesse levando em conta o tempo que o outro demora a percorrer o lapso espacial que haja entre a sua casa e a paragem do 504, entre o autocarro e o metropolitano, da estação seguinte à loja das cautelas e mais o sempre estafante regresso ao lar, que seria já, muito provavelmente, pela melancólica hora do entardecer. Sem pretender envolver-me na conversa, aproximei-me discretamente da porta traseira a fim de não dar parte de madraço. Saí da viatura assim que pude e fui caminhando diante do trocista como se estivesse a disputar os 15 quilómetros marcha, disposto, seja como for, a demonstrar que não há espaço ou tempo que me atemorizem, e que devo dar às pernas o uso sadio para que foram criadas. A mim não me apanham a mandriar.