quarta-feira, 8 de março de 2023

Duas pessoas a andar de metro


Ignoro a que motivos deve ser atribuído o facto de os transportes públicos do Porto andarem agora tão cheios de gente, tão a abarrotar de distintas pessoas nos seus vai-vens quotidianos. Embora suspeite de que a excessiva proximidade social há-de, não tarda, acarretar algum surto desagradável, agrada-me, seja como for, a variedade humana dos autocarros e das carruagens do metropolitano. Gosto, já o saberão, de ver pessoas e de escutar o que dizem.

Ontem, numa composição do metro apinhada de corpos, ouvi uma pessoa interpelar outra, um desconhecido, e dizer: "Desculpa a inconveniência, mas és muito bonita". A outra pessoa sorriu, disse obrigado e enrubesceu, mas não pude deixar e pensar que talvez aquela frase dita de forma perfeitamente audível no meio de uma multidão apertada no exíguo espaço de uma carruagem possa ter feito a diferença para quem a escutou, ou talvez para ambas.

As duas pessoas — e importa-me sobretudo que fossem duas pessoas, dois seres humanos anónimos em trânsito do trabalho para casa, ou da faculdade para casa — que protagonizaram este brevíssimo diálogo eram ambas do género feminino. Duas mulheres ou duas raparigas ou duas moças, como vossas excelências preferirem, mas duas pessoas, ao fim e ao cabo, interagindo, olhando-se nos olhos e manifestando sentimentos relativamente inocentes.

Existem certamente excelentes justificações para as complicações que impedem as pessoas de se relacionarem normalmente e de se interpelarem quando lhes apeteça, e exageros que motivaram todos os interditos e regras politicamente correctas. Neste dia que o calendário dedica às mulheres, gostava, ainda assim, de manifestar um desejo: o de que pudéssemos voltar a ser apenas pessoas outra vez. Como aquelas duas pessoas a andar de metro.