segunda-feira, 7 de março de 2011

Facebook no convento*



Serei um pouco bota-de-elástico, mas faz-me ainda alguma confusão que uma das mais interessantes peças jornalísticas produzidas por este jornal na passada semana não tenha sequer sido publicada... nas páginas deste jornal. Era a história de uma freira espanhola que foi expulsa do convento em que vivia há mais de 35 anos, por causa das actividades que mantinha no Facebook. O suculento caso possui vários dos condimentos que costumam ditar o sucesso de uma peça jornalística – religião, tecnologia, sociologia, modernidade versus tradição, transgressão, inveja, elementos pícaros e imigração –, mas revela também alguns dos paradoxos com que se debatem os jornais na era da informação digital.

A história da soror María de Jesús Galán, explique-se, foi apenas contada na versão online do Público. Tinha, até ao final da manhã de ontem, contabilizado 27.450 leitores, os quais, para lê-la, não tiveram que gastar um único cêntimo. Já aquelas pessoas que, como vossa excelência, compram o jornal regularmente, não foram merecedoras dessa combinação singular de Umberto Ecco (O Nome da Rosa) e Whoopi Goldberg (Do cabaré para o convento).

Como não sou capaz de, num espaço tão pequeno, solucionar o drama esquizofrénico em que vive a imprensa (papel ou digital?), posso, ao menos, compensar o leitor que hoje tenha gasto um euro a comprar o Público, resumindo aqui o essencial da história que a Susana Almeida Ribeiro escreveu.

María de Jesús Galán era uma freira como as outras, pelo menos até ao dia em que comprou um computador e, depois, criou um perfil no Facebook. Se o diabo se tinha mantido afastado das paredes do convento de Santo Domingo el Real, em Toledo, pode, pois, dizer-se que ele ali entrou com o rompante permitido pelas comunicações de banda larga. A “soror internet” até foi premiada pela junta de Castilla-La Mancha “pelo seu trabalho de catalogação de documentos e livros da biblioteca conventual, pela contribuição para a difusão destes documentos pela internet e pela introdução de tecnologias num ambiente tradicional”, mas a paz de deus tinha sido definitivamente quebrada no lar daquelas que com ele estão casadas. Instalou-se, em vez disso, “uma tensão insuportável e um mal-estar crescente” no convento. E a freira-arquivista acabou por ser expulsa.

No Facebook, María de Jesús, como qualquer mortal xenófobo em época de crise, atribuiu as culpas pelo sucedido a “umas quenianas”, freiras que como ela viviam no convento de Toledo, acusando-as do pecado mortal da inveja. Dito isto, foi inscrever-se no centro de emprego lá do sítio e anunciou aos seus amigos electrónicos a intenção de aproveitar a oportunidade para ir conhecer Londres e Nova Iorque.

Nestas coisas, porém, nem tudo é preto ou branco como nos negócios entre deus e o diabo. Se o Facebook pode ter levado María de Jesús à perdição, também serviu, neste caso, para salvar a história que sobre ela se escreveu. Não fossem os quinhentos links que os utentes da rede social fizeram e a notícia ter-se-ia perdido no éter ao fim de duas ou três horas de exposição na página principal do Público Online.

*Crónica publicada no P2 do Público, no dia 15 de Fevereiro de 2011