terça-feira, 28 de janeiro de 2025

Exílios, desterros, isolamentos

 «Todos procuramos um lugar num mundo cada vez mais hostil e desapiedado».

A frase acima pertence ao escritor argentino Matías Néspolo e foi proferida numa entrevista recente a propósito do romance Una fábula sencilla. Néspolo disse-a para sinalizar as dificuldades crescentes que enfrentam «os migrantes, os refugiados e os desterrados de todos os géneros», mas pensei que a frase pode facilmente adequar-se a outros tipos de exílio, de desterro ou de isolamento de uma realidade também hostil e, até certo ponto, inacreditável, por não parecer possível que em pleno século XXI, depois de Auschwitz e do bombardeamento táctico de Hamburgo, do Gulag e do Apartheid, do genocídio do Ruanda ou do genocídio arménio, seja ainda possível que os mesmos erros e tragédias continuem a repetir-se vezes sem conta e com o apoio e a concordância de vastas parcelas dos cidadãos (sobre os quais, cedo ou tarde, inevitavelmente recairão as consequências).

Exilarmo-nos da realidade, desta realidade, há-de ser, afinal, um modo tão adequado e saudável como qualquer outro de lidar com a sua violência e o seu despropósito irracional. Quando nos exilam das nossas profissões e dos nossos direitos cívicos, dos nossos sonhos e da esperança no triunfo de uma decência essencial, do tempo que leva a assistir ao pôr-do-sol ou, enfim, do lugar que procuramos ocupar no mundo, somos já um pouco desterrados também de nós mesmos.