segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Imagine

(Crónica publicada no P2 do Público, no dia 23 de Novembro de 2010. Amanhã, como todas as terças-feiras, há mais)



Em dois dias seguidos da semana passada, a comunicação social nacional e estrangeira deu alguma atenção a assuntos relacionados com a astrofísica, os quais têm a enorme vantagem de serem um oásis de repouso no meio do noticiário sobre o défice e a dívida pública. Na quarta-feira, soube-se que um grupo de cientistas tinha conseguido aprisionar, durante um instante, alguns átomos de anti-hidrogénio. Na quinta, foi revelada a descoberta, na Via Láctea, de um planeta, o HIP 13044 b, vindo de outra galáxia. São acontecimentos fascinantes e capazes de alimentar a fantasia e o vago optimismo de um militante da descrença.

Há o défice, a crise, o desemprego, a incompetência, a guerra, a mesquinhez, a idiotice, os banqueiros, a fome, a miséria, os políticos, a corrupção, os assaltos com arma branca em caixas multibanco e o cheiro ao suor dos outros nos transportes públicos. Mas há também, apesar de tudo, a ínfima possibilidade de, lá em cima, no universo infinito, poder existir um sítio onde a vida seja o oposto de tudo isto, mais amena e suportável – e de esse planeta, como o HIP 13044 b, estar também a ser sugado para dentro da nossa galáxia, aproximando-se de nós.

Tal como a quimera da vida extraterrestre, também a existência do anti-hidrogénio constitui uma auspiciosa fonte de optimismo. Parece que o escritor Dan Brown imaginou, num dos seus calhamaços, que uma bomba de antimatéria fazia explodir o Vaticano. Trata-se de uma ficção simpática, mas pouco ambiciosa. Seria preciso, pelo menos, mandar pelos ares mais uma dúzia de templos, assembleias e sedes de instituições para que a Terra passasse a ser um sítio um pouco mais bem frequentado.

Sendo, todavia, um indivíduo de hábitos pacíficos, prefiro acreditar que as potencialidades da antimatéria podem ser aproveitadas de um modo menos fulminante. Uma bomba de antimatéria que tivesse o meu dedo havia de explodir mansamente, libertando os anti-átomos de hidrogénio, oxigénio, hélio e carbono necessários para que as coisas daninhas e desconcertantes do mundo se transformassem, de um sopro suave e doce, no seu exacto oposto.

Como diria o John Lennon, imagine que não há países e, mesmo havendo, que Portugal é governado por um anti-Sócrates; que não há céu, inferno ou religiões, que o Afeganistão é bombardeado por anti-bombas e as mulheres árabes andam com a cabeça coberta por anti-véus; que não há ganância nem fome e que as finanças mundiais correm sob o mando razoável e justo de um anti-mercado financeiro. Imagine uma anti-África, um anti-conflito israelo-palestiniano e que o mundo vive uma permanente anticrise; uma anti-Birmânia, um anti-Paquistão e um anti-Sudão.

Chegado a este ponto, pode o leitor estar pensando que eu sou um sonhador, lá-lá-lá-lá, que lhe ando a dar no pó e que, daqui a nada, invocarei a voz rouca de Louis Armstrong cantado Wonderful World e as cores do arco-íris. Pois bem: já me ocorreu, mas não o farei. Tenho só que parar de ler as notícias de astrofísica.