(crónica da coluna "Crioulizado" desta quinzena para o jornal A Nação, de Cabo Verde)
Dentro de meia-dúzia de anos, se as minhas contas não me enganam, não haverá nenhum português, entre aqueles que presumem de viajar e correm a comprar pacotes de férias mal a Primavera de insinua no calendário, que não tenha já estado em Cabo Verde (ou algo que o valha). Seja para a ilha do Sal, destino turístico já com alguma antiguidade, seja para o mais recente chamariz da ilha da Boa Vista (ou Boavista, juro que ainda não atinei sobre qual das duas é a fórmula correcta), os tugas rumam religiosamente, e cada vez mais, ao arquipélago cabo-verdiano, o que é, obviamente, uma maneira de dizer, uma vez que a maior parte desta gente se limita a circular entre a gare do aeroporto, o hotel ou resort de luxo onde tem estadia paga com “tudo incluído” e a praia de águas tépidas e areia fina, derradeiro sonho de consumo do europeu ao qual as frias temperaturas do Atlântico amofinam muito severamente.
O Filinto Elísio já em tempos gracejou de forma suficiente com o paradoxo que é vender estadias em Cabo Verde “com tudo incluído”, sem que, todavia, se inclua no pacote o convívio com Cabo Verde propriamente dito e com os autóctones que aí vivem, os chamados cabo-verdianos, pelo que evitarei repetir o óbvio. A inescapável verdade é que a generalidade dos turistas, e dos turistas portugueses em particular, não estão minimamente interessados em conhecer Cabo Verde para além da linha do litoral e das animações hoteleiras que dão uma imagem estereotipada do país, não muito diferente, se se vir bem a coisa, das animações a que se pode assistir nos resorts congéneres de Salvador da Bahia, de Porto Seguro, de Porto de Galinhas ou, presumo, de qualquer dos outros locais vendidos às mãos cheias como paraísos turísticos inesquecíveis.
Ainda hoje assisti, depois de um canídeo me ter vindo conspurcar a tolha numa praia quase deserta do concelho de Matosinhos, à conversa de uma velha platinada com a vizinha, dona do nojento cachorro, no decurso da qual se tornou claro o que esta gente procura quando vai de férias para Cabo Verde. Tinha a idosa ido de férias para a Boavista, mas queixava-se de que nem valia a pena sair do hotel, pois aquilo era, nas palavras dela, tudo muito pobrezinho. A outra, acabadinha de chegar de Palma de Maiorca, acudiu logo e concordou. Cabo Verde deve ser parecido com a República Dominicana, onde, pelos vistos, ela tinha estado uma vez. Tirando o hotel e as praias, explicou, estes sítios não têm interesse nenhum. À volta só há barracas. “Por que eles vivem em barracas, não é…”.
Nem vale a pena, creio, explicar mais nada a gente assim. Abrigai-vos, pois, nas barracas, que esta gente anda aí.