terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Método infalível para avaliar a pureza de ministros, secretários de Estado, autarcas, deputados e outros gestores da coisa pública


Pela minha janela não se vê agora senão outras janelas e uma árvore nua plangente, vergando os ramos à intempérie. Salvam-me do chumbo dos dias e da histeria estéril de quase todas as notícias os Sinais do Fernando Alves na TSF, que ainda ontem almoçaram uma alhada de cação em Gáfete e cearam em Alpalhão — secretos de porco no Regata, detalhava o texto. Logo se me aguou a boca de recordar o arroz de cachola com que ali me alambazo às vezes, a caminho de Castelo de Vide, servido com costelinhas fritas, farinheira frita, chouriça idem, e que venha o colesterol e escolha.

De véspera, painelando num canal de televisão, João Soares, ex-alcaide e ex-ministro com queda para oferecer camilianas bengaladas, sugeria que, mais do que um questionário para aferir a idoneidade dos governantes, é necessário que os políticos nacionais e locais sejam sujeitos a um teste de cultura geral que garanta que leram Os Maias, que sabem quantos cantos tem Os Lusíadas e que, enfim, não são burgessos destituídos do conhecimento da História e de alguma Filosofia. Pareceu-me um plano ambicioso e que, se me não engano, bem depressa deixaria o país à míngua de ministros, deputados e autarcas. 

Mas digo mais: ninguém havia de poder ser ministro ou secretário de Estado sem provar um arroz de cachola, uns molhinhos, uma feijoada de butelo, uns pezinhos de coentrada, uma cacholeira frita, umas iscas de bacalhau, um sarapatel, uma salada de bucho, uma bordalesa de lampreia, um naco de cabeça de xara, um arroz de carqueja ou um caldo de beldroegas. Afirmo-o, se calhar, por ser quase hora de almoço e me ter vindo à memória, outra vez, o licencioso arroz de cachola que se come no Regata, mas também porque creio que gente capaz de devanear com tais acepipes não há-de ser susceptível à tentação de outros tachos e sinecuras.