domingo, 14 de fevereiro de 2010
D. Gonzalo
As modas são o que são, mesmo as literárias, e, por isso, os livros de Gonzalo Torrente Ballester não estão hoje na moda, nem nos lugares mais visíveis das livrarias (ou, sequer, nas estantes mais escondidas das livrarias). Torrente Ballester, porém, é um autor incontornável da literatura do século XX. Não li ainda, para meu pesar, Saga/Fuga de J.B., mas deliciei-me com outros livros seus, Filomeno, D. Juan, Eu Não Sou Eu, Evidentemente, Crónica do Rei Pasmado ou A Morte do Decano. A El País Semanal de hoje revela uma faceta desconhecida de D. Gonzalo: apesar de ser quase cego desde os 30 anos de idade, o autor, falecido há 11 anos, andava sempre com uma máquina fotográfica, que usava para captar detalhes e lugares que, depois, descrevia nos livros. O escritor quase cego fotografava tudo. As imagens a preto-e-branco eram uma espécie de bloco de notas, uma memória visual, graças à qual o escritor podia ver o mundo mais distintamente do que com os próprios olhos. Mas quase nunca fotografava pessoas - talvez, diz a sua filha Marisa, porque preferia imaginá-las. Num texto à parte, José Saramago conta que, um dia, em Lisboa, perguntou a D. Gonzalo se acreditava em deus. “E isso que lhe importa?”, respondeu-lhe o velho e genial escritor. Deus, em qualquer caso, não tira fotografias. Nem escreve livros.