quarta-feira, 7 de outubro de 2009

O missionário



Estou bestialmente satisfeito esta manhã. Graças ao frade polaco Ksawery Knotz, os meus amigos que crêem em deus, no respectivo filho e no espírito santo estão doravante autorizados a manter uma vida sexual “divertida” e “vibrante”, com posições variadas e a possibilidade de recorrerem à estimulação manual e oral. Não sei como suportarão o choque de tanta liberalidade depois de, durante anos (décadas!), terem vivido limitados à potencialmente aborrecida posição do missionário, mas tenho a certeza de que, libertados pelo livro “Sexo como não conhece: para casais que amam a deus”, escrito pelo frade Knotz, e tocados pelo poder curativo e vivificador do sexo em deus, vão agora ser pessoas muito mais felizes e, se calhar, melhores colegas de trabalho e melhores cidadãos.

Eu bem os via por aí com cara de quem pensa que o sexo deve ser “triste como um hino de igreja tradicional”, atormentados pela possibilidade de deus sair de uma nuvem para vir apontá-los a dedo e condená-los pela impura prática da fornicação – eu via-os, apiedava-me deles e perguntava-me como podia ser tal coisa, tanto aborrecimento, tão pouco gosto na vida. Por isso fotocopiarei hoje mesmo o artigo do P2 dedicado ao livro do bom frade Knotz e distribuirei imediatamente a boa nova entre os macambúzios: segundo garante o frade Knotz (a conservadora igreja polaca assina por baixo), deus quer que o casamento inclua “brincadeiras frívolas, fantasia e posições atraentes”; deus autoriza, afinal, aquilo que julgáveis ordinário e até, às vezes, um pouco porco, desde que evidentemente não o façais com alguém que não seja o vosso cônjuge.

É preciso que haja limites, sim, mas, exceptuando o pecado venial do demoníaco preservativo, quase tudo o resto é, afinal, permitido pela santa madre igreja e aconselhado pelo frade Knotz em nome da sagrada harmonia do casal. Trata-se, evidentemente, de um desígnio maior, ingente, pelo que, creio, teria sido bastante útil que a alguém tivesse ocorrido aproveitar os ajuntamentos católicos que na última semana ocorreram em Fátima e junto à estátua do Cristo Rei para aí se dar a conhecer a bela e abençoada novidade aos fiéis; que, sei lá, a Caritas tivesse produzido uma brochura explicativa ou que o cardeal Saraiva Martins referisse o assunto na homilia da margem sul, explicando como, à imagem da estátua de Almada, também o sexo poderá “unir-nos a todos num abraço”.

Não quero parecer demasiado optimista, mas, havendo tantos séculos de falsas convicções e preconceitos para deitar para trás das costas, parece-me que seria de alguma utilidade se, nesta matéria, a igreja levasse a palma ao Estado e iniciasse os seus petizes na educação sexual desde as mais tenras idades, dando nova utilidade ao ramerrão da catequese. Que se insista, pois, na leitura do Cântico dos Cânticos (“Queremos contigo exultar de gozo e alegria/celebrando tuas carícias, superiores ao vinho”) e se explique aos futuros cônjuges a posição da tigresa e da catapulta, a do nó de cobra, a da pequena sereia e a do parafuso tal como Vatsyayana, esse visionário, as descreveu no Kama Sutra.

Crónica publicada no P2 do Público, no dia 19 de Maio de 2009