segunda-feira, 8 de julho de 2013

Sonhar com o Canadá



















Há, em Debaixo do Vulcão, de Malcolm Lowry, uma passagem em que Yvonne fantasia com uma cabana no Canadá. Ela está em Tomalín, no México, assistindo na arena a uma espécie de tourada popular, uma fiesta, mas os seus pensamentos distanciam-se do cenários de bêbados atazanando o touro para sonhar com a possibilidade de uma vida em que ela e Geoffrey, o Cônsul, seriam felizes. Ele escreveria um romance ao ar livre, à mão, e ela praticaria actividades simples e domésticas, contentes ambos "com o seu mútuo amor, na sua casa, entre o mar e a floresta" do Canadá. "E podia muito bem ser. Era muito possível", procura convencer-se.
Longe do México, longe do Canadá, também às vezes me convenço de que é possível uma vida assim, simples, num sítio qualquer distante do bulício do mundo, mesmo que não escrevesse nada e me dedicasse apenas a ver o tempo passar e a estar tranquilo e feliz. Quando a noite chega e o ruído da cidade se amortece até não ser mais do que um rumor na noite cálida, fecho o livro que estou a ler, saio à varanda e convenço-me de que o Canadá é possível — como quando duas pessoas lêem o mesmo livro e nada mais importa.