quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Conto de Natal



Dezembro, efectivamente, tinha-se posto um mês bastante frio. A neve cobria os campos, os telhados das casas e os ramos dos abetos. Arrepiava-se só de imaginar a borrasca, mas, apesar do mau tempo, os indivíduos mantinham os seus hábitos e as suas necessidades. A avó da menina, por exemplo, estava doente e necessitava de um pote de manteiga como de pão para a boca, como costuma dizer-se, a fim de barrar os vergões que ganhara nas nádegas por passar tanto tempo sentada da cadeira de baloiço, sem mais nada que fazer do que ler os tijolos do Dan Brown. Telegrafou à filha, a qual, diligente, ordenou à menina que atravessasse o temporal montada num burrico para levar a manteiga à avozinha. A tigela de manteiga foi acomodada num cestinho de verga (que levava também meio bolo-de-mármore e uma posta de bacalhau de cura amarela) e a menina pôs-se a caminho, agasalhando-se como pôde, com um casaquinho de fazenda e um barretinho de lã vermelha na cabeça. Na floresta, a menina do barretinho vermelho encontrou o Pai Natal. Ele tinha um ar muito vicioso e celerado, com umas barbas esgrouviadas e um olhar demente. Era muito feio e devia ser também muito mau:

- Para onde você vai?
- Vou à casa da vovozinha, que está muito doente, levar-lhe a manteiga da mamãe.
- Onde fica a casa de sua avó?
- Naquela curva do caminho logo depois da ponte de pedra.
- Sei muito bem onde é. — disse o Papai Noel. — Essa velha é boazuda pra cacete.

A história, como se sabe, não termina nada bem. O Pai Natal fez companhia à menina, com o fito (muito perverso) de surpreender a velha, mas a avó da barretinho não queria voltar a vê-lo nem barrado com mostarda de Dijon (também não gostava de bacalhau de cura amarela). Muito contrariado, o Pai Natal ponderou comer a menina, mas entretanto vieram os lobos e, logo após, os caçadores. Pôs-se ali uma cena selvagem e muito desagradável, com tiros, gritos e uivos, findo a qual se contabilizaram várias baixas: dois lobos feridos com gravidade, um caçador perneta e o Pai Natal irremediavelmente morto e bastante desfigurado.

- Era muito feio e desagradável, mas beijava muito bem e talvez fosse, afinal, um bom homem – condoeu-se a avozinha, acometida, sem dúvida, pelo pontiagudo remordimento da culpa.

Contado assim ninguém acredita, mas, felizmente, o Pai Natal quis tirar um retrato com a menina do barretinho vermelho no gnomo do photomaton. A avozinha guarda religiosamente a imagem que demonstra a verdade inquestionável de todos os factos aqui narrados. Tem-na num passpatour que está em cima do psiché.

(clicar na imagem para ampliar, sff)