quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Dez minutos
São dez minutos de absoluta paz. Alice aproveita o intervalo entre o pequeno-almoço e a saída de casa, a caminho de mais um dia de trabalho, para ler. São os únicos dez minutos em que consegue realmente ler: mergulha profundamente na realidade paralela dos livros e aí fica durante dez minutos, longe de tudo, indiferente mesmo ao processamento do bolo fecal (perdoe-se-me a escatologia). Alice suspeita de que esses dez minutos lhe beneficiam igualmente a saúde e a regularidade do trânsito intestinal, mas isso agora não vem ao caso. Estes dez minutos são completamente livres e Alice lê. Ocorre-lhe, aliás, que, se pudesse passar o dia inteiro na retrete, lendo sem pensar em mais nada, talvez pudesse chegar a ser uma intelectual, uma pessoa culta, alguém com um saber enciclopédico e essas merdas. As melhores ideias que tem chegam-lhe nesses dez minutos, enquanto lê. Aí pensa na vida. Mas são só esses dez minutos e Alice sabe que vão ser sempre apenas esses dez minutos, um intervalo no resto da vida. Sabem-lhe muito bem, os dez minutos. Tão bem que, às vezes, até se esquece do que ali foi fazer e chega atrasada ao trabalho.