quinta-feira, 29 de maio de 2025

Afirmar o óbvio ululante

 Ontem, num noticiário da televisão, ouvi um migrante português regozijando-se pelo facto de um determinado partido político ter "varrido" outro partido político do círculo eleitoral europeu. Fê-lo no mesmo tom agressivo e colérico usado pelo líder do tal partido vencedor quando se refere aos outros migrantes (aqueles que, não sendo portugueses de nascença, querem trabalhar em Portugal; curiosamente não se lhe escuta uma palavra sobre aqueles que "agitam a bolha imobiliária" e impedem os nossos filhos de terem acesso a uma habitação).

Considerando o ponto a que as coisas chegaram, já não deve espantar-nos que migrantes votem entusiasticamente em partidos anti-migração. Basta ver que só entre 1,7 e 2,2% dos habitantes dos EUA são nativos ou descendentes de nativos, embora já por duas vezes os migrantes (e seus descendentes) tenham sufragado um presidente xenófobo e anti-migrantes.

O paradoxo (não apenas aparente) parece explicar-se pelo facto de os referidos indivíduos serem já incapazes de, sequer, processar os juízos racionais mais básicos. Todavia, de acordo com a horda de comentadores políticos encartados, não se deve (agora) afirmar o óbvio ululante. Ou seja, que as pessoas que parecem destituídas de cérebro são, muito provavelmente, pessoas destituídas de cérebro.

De acordo com o novo politicamente correcto, devemos, isso sim, procurar compreender as extravagantes razões que levam 1,4 milhões de pessoas a votar num partido que tem como principais argumentos a ira, a propagação de mentiras, a manipulação de massas e a hostilização dos mais desprotegidos de uma sociedade. Se calhar vão, um dia destes, tentar também convencer-nos de que devemos fazer um esforço para procurar compreender os motivos que levaram os nazis a executar o Holocausto e Israel a planear o genocídio dos palestinianos de Gaza.

Do mesmo modo que, na opinião de um académico israelita entrevistado pelo Expresso, "não se pode vender o Holocausto para matar outro povo", também não é admissível que eventuais frustrações individuais sirvam de pretexto para transformar um país numa esterqueira.